02 abril 2014

Poema-Canção

O Quim da Cesaltina, já crescido em tamanho e em coração, diz que não servia para mais nada, mas os poemas escrevia-os bem. Como ninguém mesmo; pegava num lápis minúsculo e num caderno já velho e molhado pela chuva e deixava a poesia escorrer-lhe assim, dos dedos para a grafite. E do amor para os dedos.

A Cesaltina, óbvia mãe do Quim, bem que não queria este destino para o filho. “Andei eu a criar um homem para agora dar em poeta”, dizia. Mas esse nem era o problema, pelo menos não o maior. O Quim não era um poeta às direitas. Honesto na profissão, mas pouco nobre na forma. Desorientado por não saber fazer mais nada: nem cozinhar, nem polir pratas, nem carregar móveis, nem sequer namorar moças… viu-se obrigado a escrever por encomenda.

Um poeta vendido! Escrevia de tudo: frases para lápides, sonetos para namorados desajeitados (e que na maioria das vezes já a tinham pintado bonita!), receitas para confortar amores não correspondidos e almas solitárias… Diz quem viu que até já tem um catálogo e volta e meia vai parar com o negócio à internet.

Mas isso nem o fascinava, que o Quim é rapaz de letra bonita e nos computadores não há quem a faça igual. No outro dia apanhei-o a chorar baixinho: diz que o poema para a namorada do Zé calhou mal. Armaram lá um pé de vento, chamaram-lhe nomes feios e depois foram-se embora, com os bolsos cheios de poemas para compensar o sucedido.

Ser poeta por encomenda e, ainda por cima, com reembolso, não é fácil. De quando em vez, lá passa alguém na rua e exibe um sorriso largo, aí o Quim já sabe: é um cliente contente. Esquece as amarguras e segue na poetização. Não é por receber encomendas que tem menos coração.

Abriu um negócio na praça, com as fiscalidades direitas e tudo, chama-se Poema-Canção.