O Quim da Cesaltina, já crescido em tamanho e em coração, diz que não
servia para mais nada, mas os poemas escrevia-os bem. Como ninguém mesmo;
pegava num lápis minúsculo e num caderno já velho e molhado pela chuva e
deixava a poesia escorrer-lhe assim, dos dedos para a grafite. E do amor para
os dedos.
A Cesaltina, óbvia mãe do Quim, bem que não queria este destino para o
filho. “Andei eu a criar um homem para agora dar em poeta”, dizia. Mas esse nem
era o problema, pelo menos não o maior. O Quim não era um poeta às direitas.
Honesto na profissão, mas pouco nobre na forma. Desorientado por não saber
fazer mais nada: nem cozinhar, nem polir pratas, nem carregar móveis, nem
sequer namorar moças… viu-se obrigado a escrever por encomenda.
Um poeta vendido! Escrevia de tudo: frases para lápides, sonetos para
namorados desajeitados (e que na maioria das vezes já a tinham pintado
bonita!), receitas para confortar amores não correspondidos e almas solitárias…
Diz quem viu que até já tem um catálogo e volta e meia vai parar com o negócio
à internet.
Mas isso nem o fascinava, que o Quim é rapaz de letra bonita e nos
computadores não há quem a faça igual. No outro dia apanhei-o a chorar
baixinho: diz que o poema para a namorada do Zé calhou mal. Armaram lá um pé de
vento, chamaram-lhe nomes feios e depois foram-se embora, com os bolsos cheios
de poemas para compensar o sucedido.
Ser poeta por encomenda e, ainda por cima, com reembolso, não é fácil. De
quando em vez, lá passa alguém na rua e exibe um sorriso largo, aí o Quim já
sabe: é um cliente contente. Esquece as amarguras e segue na poetização. Não é
por receber encomendas que tem menos coração.
Abriu um negócio na praça, com as fiscalidades direitas e tudo, chama-se
Poema-Canção.
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