28 junho 2014

Um Comboio

São sussuros. Ires-te embora são sussurros. Foi o que o Carlos disse à Rosa. E ela sorriu, mas cá para mim guardava era as lágrimas em sítios que não se viam.

A Rosa tinha especial aptidão para guardar lágrimas que quase lhe escapavam em momentos inoportunos. E mascarava-as com um sorriso bonito. Tanto, que o Carlos quase refraseou só para lhe dizer que eram sorrisos. Ires-te embora são sorrisos.

E é assim que se brinca aos sorrisos e às lágrimas na hora de partir. Uns fazem a vez dos outros, desdizem os outros. São os outros, às vezes. E o sorriso da Rosa era só uma lágrima quente que desapareceu antes de lhe chegar ao queixo. E os sussurros mudos ecoavam só na cabeça de cada um. E pela sintonia do momento, eram sussurros a ecoar em uníssono; sussurros que fazem as malas e vão para o mesmo sítio. Apanham o mesmo comboio, por assim dizer.

Ires-te embora é um comboio que chega muito depressa. E partes a dizer baixinho que não queres ir; contas os azulejos da parede só para não veres quem fica, o que fica.


A Rosa, que é tão boa a esconder lágrimas, não quis esconder o último sorriso, que era afinal uma lágrima, um sussurro, um comboio. Já nem ela sabe bem. Era uma coisa para não ser  outra. E os nomes nem interessam na hora de partir. 

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